PRATICANDO A LIBERDADE

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB – AL. Como Líder) – Agradeço muito a V. Exª, Senador Jorge Viana.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aspas:

[…] dever indeclinável é sustentar a Constituição de 1988, apesar de quaisquer divergências com sua feitura; […] é colaborar na defesa contra a onda que se avoluma e propaga no seio do povo e que visa atacá-la, tão desabridamente, que esses ataques passaram a envolver toda a classe política. [Continuam as aspas.]

Hoje se está falando dos políticos como se constituíssem um grupo específico de aproveitadores hedonistas e mal-intencionados.

É indispensável [continuam as aspas] determo-nos sobre esse aspecto da atualidade nacional, pois ele envolve graves consequências.

[…] pensemos seriamente neste movimento, talvez não intencional, mas seguramente orquestrado, que visa a desmoralizar a classe política. [Continuam as aspas.]

[…] por detrás da campanha insidiosa que atinge milhões de brasileiros de boa-fé pode haver a intenção de acabar não com a política, que não acaba nunca, nem pode acabar, mas acabar com as liberdades que estão garantidas na Constituição que elaboramos, como nunca estiveram garantidas em […] outra [Constituição].

Derrubar [continuam as aspas] a Constituição, execrar os políticos é derrubar a liberdade para entregar a política atual à outra “política”, isto é, a outro tipo de “governo” não declarado, que teria em mão a sorte e o destino do povo e, com ele, o próprio futuro da Pátria. [Continuam as aspas]

O desprezo à política não é a sua supressão, pois ela se confunde com o Governo.

Que haverá por detrás de tudo isso? Será que estamos ameaçados de outro tipo de “política”, ou seja, as ditaduras civis e militares, que têm sido a agonia secular da nossa República? [Continuam as aspas]
[…] nosso dever é fazer política, isto é, defender e praticar a Constituição brasileira em vigor, acreditar nela, convocar a Nação para defendê-la, se estiver em risco, reagir contra esses riscos disfarçados. Em suma, praticar e defender a liberdade. Fazer política é honrar nosso mandato, sustentar o trabalho, enobrecer a memória do nosso tempo.

Essas palavras, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foram pronunciadas pelo Senador Afonso Arinos, em 5 de outubro de 1988, na sessão de encerramento da Assembleia Nacional Constituinte, que tive a honra de integrar pelo voto livre e soberano do povo alagoano.

O ilustre jurista, diplomata, professor e político exortou o País a acreditar, defender e praticar a Constituição da República, porque, agindo assim, estaremos, todos nós, exercendo e praticando a liberdade.

Hoje, quase 30 anos depois de promulgada aquela que foi nomeada Constituição cidadã, vivenciamos uma época de acusações bêbadas, pedradas de doido e coices de burro, como lembrou o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.

A sequência de acontecimentos é preocupante. Competências e prerrogativas do Congresso Nacional vêm sendo usurpadas com anistias indefensáveis. Mecanismos judiciais são manipulados para impedir a atividade legislativa. Clima mental desfavorável e violento aos Deputados e Senadores é estimulado pelas redes sociais e até – pasmem – pelos meios de comunicação.

Com as generalizadas agressões à política, persegue-se o aval público para esturricar Parlamentares indistintamente na fogueira. Liminares ceifam sumariamente mandatos eletivos sem culpa formada, evidentemente. Tentou-se, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, até mesmo abduzir o Presidente do Congresso Nacional por uma precária decisão monocrática.

Estamos diante de um ambiente de excepcionalidades jurídicas próprias de um Estado de exceção. Utiliza-se o instituto da delação como política de Estado, a exemplo do que foram a censura e a tortura na ditadura. A prisão preventiva é decretada para aterrorizar e obter delações. Dedurar inventando situações para sair da prisão ou da inevitabilidade da prisão passou a ser um bom negócio para criminosos confessos, regiamente recompensados com a impunidade e a lavagem oficial do dinheiro público roubado.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, só o Legislativo pode conceder anistia. A anistia, de acordo com a Constituição Federal, é competência exclusiva do Poder Legislativo.

Certamente, o mais grave dos excessos que ocorrem na apuração de crimes é a leviandade da generalização contra a política, o hábito de medir todos pela régua sem separar o joio do trigo. Incorreria, Sr. Presidente, no mesmo erro quem imputasse a todos os membros do Ministério Público Federal a conduta de procuradores acusados de melar as investigações do Banestado. Na mesma linha, seria inaceitável excesso afirmar que a prisão de procurador da República acusado de vender informações e tentar comprar seus próprios companheiros da força-tarefa contaminaria o Ministério Público. O que não se pode é, se confirmado o crime, aposentar o procurador com os polpudos subsídios pagos aos procuradores da República. E este Senado Federal já votou, em 2013, com o povo nas ruas, uma proposta de emenda à Constituição que proíbe para procuradores e para membros do Poder Judiciário a aposentadoria como prêmio para o crime de corrupção.

Apenas com a palavra do criminoso acuado, centenas de Parlamentares são jogados na vala comum da corrupção, que, repito, sempre necessita ser investigada e punida exemplarmente nos limites da lei, evidentemente. Basta o delinquente, Sr. Presidente, citar o nome de um político em qualquer contexto fabricado que a chave do paraíso lhe é entregue. Ao transferir para o delator a produção de provas da autoria e materialidade do delito, o Estado reconhece sua ineficácia na persecução penal.

Para escamotear essa deficiência, sugere-se que o magistrado seja mero carimbador de acordos de delações ultrapremiadas, impedido até de verificar a voluntariedade, a regularidade e a legalidade de suas cláusulas, Sr. Presidente, outros fatos além da investigação. E, pior, obriga-se o juiz imparcial a aceitar o perdão judicial conferido ao delator pelo órgão de acusação, abdicando da competência que lhe é reservada.

Eu falo isso, Sr. Presidente, com a responsabilidade e com a isenção de quem, como Presidente do Senado Federal, sentado aí na cadeira onde V. Exª se senta agora, aprovou, comandou a aprovação da Lei nº 12.850, de 2013. Definitivamente – falo como legislador –, não era essa a delação que o legislador que aprovou a Lei nº 12.850 queria.

Malgrado os inegáveis acertos e benefícios ao País, há excessos que precisam ser corrigidos, aperfeiçoando o instrumento de colaboração premiada para combater as associações criminosas, já que, Sr. Presidente, tentam impedir que o Congresso Nacional o faça, com o precário argumento de que qualquer tema – qualquer tema! – que, de uma forma ou de outra, se vincule a essa temática não pode ser discutido aqui no Senado Federal ou na Câmara dos Deputados porque configura obstrução à Justiça ou legislação contra a Operação Lava Jato.

Esse controle da legalidade dos acordos de colaboração, Sr. Presidente, evidentemente cabe ao Supremo Tribunal Federal, com a autoridade de guardião da Constituição Federal. Por sua vez, considerando os acontecimentos mais recentes, seria aconselhável que a homologação dos acordos ficasse sob a jurisdição do colegiado competente do Supremo Tribunal Federal, minimizando eventuais equívocos, suplantando eventuais erros.

A delação não é contrato de adesão. Precisa ser negociada nos termos da lei. Ao Ministério Público não é dado outorgar aos delatores prêmios além daqueles legalmente previstos, sob pena de nulificar o acordo celebrado com o delator e, aí, sim, atrapalhar as investigações, especialmente, como nos últimos casos, dos crimes que acontecem depois do acordo de delação.

Não há, Sr. Presidente, deslealdade maior – e desculpe-me o Ministro Barroso, que falou em deslealdade ao País – do que a deslealdade com a Constituição Federal, em detrimento do sacrifício de inderrogáveis cláusulas pétreas, a pretexto de honrar compromissos ilegais e vantagens inusitadas concedidas a delatores.

Existem, Sr. Presidente, pelo menos dois exemplos dessa curiosa generosidade. Existem pelo menos dois exemplos, Senador Requião, dessa generosa curiosidade. Aliás, o próprio Ministério Público – não lembro através de quem –, contestando uma decisão do Juiz Moro, falou da generosidade da delação. Nesse caso, não tratamos exatamente de generosidade, mas de “janosidade”, porque trata-se do Ministério Público Federal.

Um ex-Senador que integrou esta Casa, que, durante oito anos, foi Líder da Bancada do PSDB aqui no Senado Federal, que presidiu uma estatal e perambulou pela cidade gravando conversas ilegalmente – chegou, Senador Roberto Requião, ao extremo de gravar o meu neto, uma criança de 9 anos de idade! –, desviou da empresa – legalmente, nos termos da colaboração – mais de 256 milhões, em benefício dele e de sua família.

Sérgio Machado e seus filhos, no entanto, vão devolver em parcelas somente 75 milhões do valor desviado. Limparam quase 900 milhões, que permanecerão em seus bolsos, não serão denunciados, e todos os processos ficarão suspensos. Em resumo, Sr. Presidente, impunidade total – impunidade total.

Ao homologar o acordo de colaboração firmado entre a Procuradoria da República e o delator, o Ministro Teori Zavascki afirmou que – aspas:
O montante recuperado é evidentemente insuficiente para reparar os danos supostamente sofridos pela Transpetro em decorrência de crimes imputados a Sérgio de Oliveira Machado e à organização criminosa que ele integraria.

Embora [continua o Ministro Teori] nada impeça o imediato cumprimento do acordado por José Sérgio de Oliveira Machado, […] a Lei nº 12.850/2013 não deixa margem à dúvida no sentido de constituírem os benefícios acordados, ainda que homologados […], direitos cuja fruição estará condicionada ao crivo do juiz sentenciante, no caso concreto, à luz daqueles parâmetros. Portanto, o cumprimento antecipado do acordado, conquanto possa se mostrar mais conveniente ao colaborador, evidentemente não vincula o juiz sentenciante, nem obstará o exame judicial no devido tempo [no devido tempo].

O Ministério Público Federal, Srs. Senadores, tão severo em outros casos, precisa explicar a razão pela qual deixou com os criminosos dois terços do dinheiro desviado, quando o Código Penal determina a devolução total do produto do crime. Outras vantagens inusitadas foram concedidas aos irmãos Joesley e Wesley Batista, também orientados a gravar conversas, que afirmaram ter construído todo o seu imenso patrimônio com práticas criminosas.

Porém, Sr. Presidente, com o beneplácito do Procurador-Geral da República, pagarão uma multa irrisória diante do tamanho do rombo e não sofrerão qualquer reprimenda. Ricos, impunes e no exterior!

Seguramente, Sr. Presidente, mais um grande negócio, desta vez com o beneplácito do Ministério Público, do juizado federal e até de homologação de ministro do Supremo Tribunal Federal.

A legislação penal – descaradamente violada – exige a devolução total do dinheiro desviado. O arquivamento dos processos e a impunidade total, conferida a essa associação criminosa, também são flagrantemente ilegais.

Certamente, não é com ilegalidades que se combate a corrupção; tampouco o combate à corrupção é uma tarefa restrita ao Ministério Público, à Polícia Federal e ao Poder Judiciário. É atividade, Sr. Presidente, permanente, que deve envolver os esforços de todos os Poderes, do empresariado, da sociedade e dos meios de comunicação.
Há questões preocupantes. Defende-se o inadmissível uso de provas ilícitas, a supressão do habeas corpus, e escritórios de advocacia são vasculhados, em nítida atitude de intimidação, confiscando até documentos contendo estratégia de defesa técnica de investigados.

Vivenciamos, Sr. Presidente, os sobressaltos próprios das ditaduras, com a ampliação do denuncismo e vazamentos seletivos de processos sob sigilo, além das manigâncias para trancar ou destrancar inquéritos, conforme conveniências do órgão acusador.

Observamos vazamentos e a divulgação de gravações clandestinas ilegais de conversas de investigados com seus advogados e de jornalistas com suas fontes de informação. Mais uma vez, eu quero cumprimentar e apresentar, desta tribuna, a minha solidariedade ao Jornalista Reinaldo Azevedo, o último, o último exemplo do que acabo de afirmar. Tudo isso, Sr. Presidente, pela avidez em exibir cabeças decepadas ao público antes do julgamento e da culpa formada.
Na inquisição, Senadora Vanessa, e no regime de terror, pessoas eram queimadas e decapitadas em série, mas, embora fosse uma entremez, havia julgamento.

Peço licença a V. Exªs para fazer breves considerações sobre esse tema, prestando contas a esta Casa e ao povo de Alagoas. Jamais negociei o meu mandato, e os interesses de Alagoas e do País pautaram sempre – e continuam pautar – a minha atividade parlamentar. As investigações, Sr. Presidente, que envolvem meu nome estão baseadas em simples inferências e declarações de pessoas que nem sequer me conhecem ou com quem não tenho ou não tive relação ou negócios. E delatam, para salvar a pele, sem fatos nem provas. As minhas contas, Sr. Presidente, foram auditadas desde 2002, e não há um centavo nelas indevidamente, que tenha sido colocado de maneira ilegal.
Irei prestar o quinto depoimento na Polícia Federal – o quinto depoimento na Polícia Federal –, dessa feita acusado de obstrução da Operação Lava Jato, Senador Roberto Requião, imputação totalmente infundada, como as demais.

Tornou-se chavão, como dizia, afirmar que qualquer manifestação ou crítica aos métodos e excessos havidos pelas investigações policiais têm o objetivo de acabar com a Operação Lava Jato. Trata-se, Sr. Presidente – e já me encaminho para encerrar a intervenção –, de argumento falacioso, para desviar o mérito do debate. Eu não participo dessa insensatez.

Ontem mesmo, eu estava vendo um debate em uma rede de televisão, e o apresentador dizia assim: “Mas é claro, é claro que ficou provado que a iniciativa para o Senado votar a Lei de Abuso de Autoridade era para interferir na Lava Jato.”

A edição de domingo, 28 de maio de 2017, de O Estadão, trouxe, Sr. Presidente, lúcido editorial versando sobre “A Política e a obstrução da Justiça”. Leio, com a permissão de todos, alguns trechos:
A prevalecer a interpretação da [Procuradoria-Geral da República] sobre o que seja obstrução da justiça, teremos a criminalização – e consequente proscrição – de toda e qualquer conversa sobre política. […]
Só falta que a lei penal, nas poucas vezes em que é efetivamente aplicada, seja utilizada para fins políticos. Seria burlar o País [diz O Estado de S. Paulo].

Ninguém, em sã consciência, defende a dissolução dos meios legítimos de investigação ou tem, Sr. Presidente, estima pela corrupção. A minha vida demonstra exatamente o contrário. Minhas atitudes são totalmente incompatíveis com a acusação de obstruir a Justiça. Colaboro com todas as investigações. Entreguei, Senador Requião, espontaneamente os meus sigilos. E, apesar de ter conhecimento, o Procurador-Geral da República pediu a quebra, seis meses depois, desses sigilos já entregues oficialmente, induzindo o Ministro Teori Zavascki a erro. Fui ouvido – repito – quatro vezes pela Polícia Federal e irei quantas vezes for convocado, exatamente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque sou o maior interessado no esclarecimento de todas essas falsas acusações.

Lembro a todos que sou defensor da colaboração premiada como meio de obtenção de prova e combate ao crime organizado desde quando fui Ministro da Justiça, nos idos de 1998.

Escrevi, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no ano passado, artigo publicado no O Globo, defendendo a Operação Lava Jato e, mais de uma vez, disse que considero a Operação Lava Jato intocável, sagrada. Relato, mais uma vez, desta tribuna, os vários constrangimentos aos quais fui indevidamente submetido nos últimos anos. O Procurador-Geral da República promoveu, estimulou e acobertou vazamentos, jamais apurados, de dados mantidos sob segredo de Justiça. Além disso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, demandou prisão preventiva com base em simples presunções e sem “suficiência probatória apta”, como na Ação Cautelar 4.173, indeferida pelo Supremo Tribunal Federal; pediu busca e apreensão órfã de “diligências complementares” e para “descobrir a prática de crimes dispersos”, perigosos, como diziam na imprensa, a Ação Cautelar 4.174, também inferida pelo Supremo Tribunal Federal; e, por fim, Sr. Presidente, Srs. Senadores, solicitou o meu afastamento da Presidência do Senado Federal, Ação Cautelar 4.293, também indeferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Diálogos gravados clandestinamente, ainda sob sigilo, foram vazados com estardalhaço e divulgados por vários dias seguidos, em maio de 2016, para pressionar o relator a decretar prisão de Parlamentares e busca e apreensão. Na exata medida, Senador Roberto Requião, de um magistrado que se pautava pela lei e não pelo estrépito das ruas, o Ministro Teori Zavascki indeferiu pedidos assinalando, aspas: “Em que pese a indevida divulgação e consequente repercussão dos pedidos, é com base nas premissas da legislação de regência que se analisa o presente requerimento”, fecha aspas.

Retaliações acontecem sempre, sempre que o Congresso Nacional desagrada o Ministério Público. Foi sempre assim ao longo dos últimos anos: sempre que o Congresso Nacional desagrada o Ministério Público…
RENAN CALHEIROS (PMDB – AL) – …Srs. Senadores e Senadoras, se manifestam métodos da Procuradoria-Geral e, em seguida, seus integrantes, seus Senadores, nesta Casa, são amedrontados, ameaçados, seus imóveis são invadidos com absurdas buscas e apreensões nas suas residências.
O Senador, Sr. Presidente, que foi eleito Presidente da Comissão de Constituição e Justiça – e logo veio na imprensa de que a sua eleição era um movimento contra a Lava Jato, talvez o mais recente –, logo veio a busca e apreensão na sua casa e contra seus filhos e familiares.

Tentaram me afastar da Presidência do Senado Federal por liminar. A Mesa do Senado e o Supremo Tribunal Federal não permitiram. A Corte Suprema corrigiu o equívoco, com equilíbrio e independência, em especial a Ministra Cármen Lúcia – e V. Exª é testemunha –, que compreendeu a gravidade do momento e pautou o processo para o dia seguinte. Em seguida, certamente na esteira de alguma lequéssia, sobreveio uma denúncia espantosamente precária. Foi devolvida no mesmo dia, com um puxão de orelha do então Ministro Teori Zavascki à Procuradoria-Geral da República.

Aprovamos alterações na lei contra o abuso de autoridade. Logo em seguida, vieram novas buscas e apreensões, requeridas pelo Ministério Público Federal, contra amigos, advogados e pessoas várias ligadas a vários Senadores.
No legítimo exercício das prerrogativas parlamentares, defendo o aperfeiçoamento da Lei de Abuso de Autoridade, a investigação dos subsídios milionários ilegalmente pagos a centenas de juízes, desembargadores e membros do Ministério Público Federal e a extinção das vultosas aposentadorias concedidas a juízes e promotores punidos por corrupção. Só no Brasil tem essa premiação, e não é premiação delatada, negociada.

Considero, Sr. Presidente – e tenho esse direito – que a prevenção do abuso de autoridade é compromisso do Estado democrático de direito e dever do Poder Público. Trata-se de ilícito que, na esmagadora maioria dos casos, atinge as pessoas mais simples, mais pobres, as camadas mais abandonadas da população.

É bom recordar que o texto do projeto foi elaborado por uma insuspeita comissão de juristas da mais elevada qualidade técnica e moral, no pacto republicano conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, e a pessoas que não canso de agradecer pela iniciativa da proposta com relação à legislação: Teori Zavascki, Everardo Maciel, Gilmar Mendes e tantos outros.
O tema é seguramente importante, tanto que, em 1985, mereceu – o Senador Roberto Requião foi o Relator da matéria – da Organização das Nações Unidas uma resolução sobre os princípios fundamentais de justiça relativos às vítimas da criminalidade de abuso de poder.

Aqui no Senado Federal – e já concedo a palavra ao Senador Requião, o aparte – o projeto de lei mereceu amplo debate, incluindo duas esclarecedoras sessões temáticas, realizadas aqui no plenário do Senado Federal, com a participação honrosa do Ministro Gilmar Mendes e do Juiz Sérgio Moro, que gentilmente, de pronto, aceitou o pedido para vir a esta Casa discutir essa importantíssima matéria. Depois tramitou pela Comissão de Constituição e Justiça, recebeu sugestões e foi aperfeiçoado pelo belo trabalho do Senador Roberto Requião, aprovado pelo Plenário. Agora, Sr. Presidente, tramita na Câmara dos Deputados.
Antes de encerrar, e já me encaminho definitivamente para isso, eu ouço, com muita satisfação, o Senador Roberto Requião.

O Sr. Roberto Requião (PMDB – PR) – Senador Renan Calheiros, eu fui o relator do projeto de abuso de autoridade e espero ter deixado bem claro que o meu relatório em cima de um trabalho apresentado por V. Exª e urdido por uma comissão sete ou oito anos atrás…

O Sr. Roberto Requião (PMDB – PR) – …nada tem a ver com a Lava Jato. É uma defesa da cidadania contra abusos das autoridades. Por outro lado, Senador, eu não tenho pejo em confessar que muitas vezes a Lava Jato me encanta, como me encantou esse trabalho dirigido que levou à delação do Joesley da JBS. Ele mostrou que o foco inicial e seletivo do grupo curitibano não era adequado. Ele demonstrou com clareza que a corrupção na política brasileira é endêmica, em função do sistema do financiamento do custo de campanhas, e acaba resultando da complacência e autocomplacência com a corrupção. Ela abriu uma perspectiva nova para a modificação do sistema político brasileiro. Mas, de repente, Senador, não mais que de repente, voltando de uma viagem à Itália, onde presidi a sessão latino-americana da Eurolat, da qual sou seu copresidente, eu deparo, ligando a televisão da minha casa, com o momento do Painel, ancorado pelo William Waack, e um promotor de São Paulo – cujo nome não me recordo, mas biotipologicamente parecido com um daqueles elegantes ETs que aparecem nos filmes de ficção norte-americana – afirmava que o acordo de delação feito pelo Ministério Público não poderia ser alterado pelo Supremo Tribunal Federal. É a tal hermenêutica que discutimos…

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB – AL) – Exatamente.

O Sr. Roberto Requião (PMDB – PR) – …na Lei de Abuso de Autoridade. Este absurdo – denegar que o Supremo Tribunal Federal possa fazer reparos a um acordo feito por procuradores e o controlador da JBS, que foi liberado com seu passaporte para morar num apartamento de US$40 milhões nos Estados Unidos – não poder ser alterado levou o pessoal do meu gabinete a fazer uma brincadeira, simular um fato que teria ocorrido no passado, na ágora ateniense, quando se levantava para os gregos a questão da hermenêutica. O problema colocado, Senador Armando Monteiro, era o seguinte: quem interpreta quem diz a lei? Era a questão da hermenêutica, Senador Telmário. Imediatamente se levanta um ateniense…

O Sr. Roberto Requião (PMDB – PR) – …e diz: “Não há dúvida alguma. Quem interpreta e diz a lei é Zeus”. Ele é imediatamente contraditado por um lacedemônio que diz: “Não, está enganado o cidadão ateniense. Quem diz a lei e a interpreta é Apolo”. Eis que da multidão sai um cidadão com um nome grego clássico, era o cidadão Dallagnol. E ele diz: “não”. Nem certo está o ateniense e, muito menos, o lacedemônio; quem interpreta a lei é a Lava Jato. Isso é absolutamente ridículo, é impossível, modus in rebus, moderação na coisa. O Direito tem que ser seguido. Quem diz o Direito é o Congresso Nacional. Há uma margem de interpretação, sim, com a sensibilidade dos juízes, a sua vivência, o seu conhecimento, a sua prática, o que pode levar inclusive a constantes mudanças no texto legal feitas pelo Congresso Nacional. Agora, negar a participação do Supremo Tribunal Federal na discussão de um acordo que pega um dos homens mais ricos do Brasil, dono de uma empresa que faturou R$150 bilhões, no último ano, e que, gratuitamente, graciosamente, sai com o seu passaporte para morar em Nova York, se negar ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade do exame é de uma arrogância e de uma prepotência que supera a crença do ateniense em Zeus, e a crença do lacedemônio em Apolo. Não tem cabimento isso! Moderação na coisa! É claro que a Lava Jato destampou a tampa que ocultava um sistema apodrecido eleitoral no Brasil…

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB – AL) – E isso foi muito bom!

O Sr. Roberto Requião (PMDB – PR) – …e que envolveu muita gente, alguns de boa-fé, outros não, e muitos estão pagando por isso. E é bom que cada um seja responsável pelo que fez.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB – AL) – Claro.

O Sr. Roberto Requião (PMDB – PR) – E é muito bom que esta Lava Jato não seja interrompida, mas que funcione nos limites da Lei e que não propague o abuso de autoridade, que vai ferir o cidadão do mais remoto Município brasileiro diante da prepotência de um concursado, que hoje, não ontem, se transforma, aprovado num concurso, num juiz ou num promotor público, num agente de rendas, num policial, num delegado da Polícia Estadual ou Federal. Então, nós temos que colocar essas coisas nos trilhos, mas jamais negando a importância da Operação Lava Jato no Brasil. Mas, essa importância não dá indulgência plenária para a arrogância e a prepotência de um ou outro agente público…
O Sr. Roberto Requião (PMDB – PR) – …que se acredita acima da lei e lá, na ágora ateniense, conforme o meu assessor José Assis, acima de Zeus e acima de Apolo.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB – AL) – Eu incorporo, Senador Jorge Viana, e já encerro, com muita satisfação, o aparte do Senador Requião ao meu modesto pronunciamento e concordo com V. Exª de que é espantoso que, no século XXI, estejamos presenciando o envenenamento da democracia, procedimentos sumários, sanhas acusatórias, obsessão por destruir um poder eleito, generalizadamente, sofreguidão por desmoralizar homens públicos, voracidade para condenar, antes do processo, sob o aplauso de alguns, porque, mais uma vez, eu queria dizer que não é verdade, não é verdade, que a opinião pública nacional defenda o abuso de autoridade. Não é verdade, não é verdade, não adianta dizer isso, através de alguns meios de comunicação.

Senador Jorge Viana, o Instituto Paraná fez uma pesquisa sobre abuso de autoridade e 70% da população, nessa pesquisa, em todos os Estados do Brasil, se colocou contra abusos de autoridade ou abusos de qualquer natureza.
Vários Parlamentares, Sr. Presidente, são vítimas de um encadeamento de insinuações imprecisas. Vários, não são todos, como disse aqui o Senador Roberto Requião, são vítimas de falsas imputações que, pela força da repetição, pretendem adquirir um verniz de verdade, ressuscitando uma prática nazista.

Se alguém tiver a infelicidade de envolver-se nesse turbilhão de perversidades, os algozes nunca encontrarão em mim um sócio do suplício alheiro, mas um intransigente defensor dos injustiçados, da presunção de inocência, até que a decisão transite em julgado.

Política, Sr. Presidente, Srs. Senadores, exige reflexão, responsabilidade e altivez. Os eleitos pelo voto popular para representarem a sociedade não podem se portar como uma manada tangida pelo medo, receosa da publicidade negativa e subjugada por interesses menores. Não foi para isso que o povo de Alagoas me elegeu, não foi para aceitar que aqui, no Senado Federal, ou em qualquer lugar, coloquem cangalhas no pescoço do Senador Renan Calheiros.

Nessa fase da experiência democrática, mecanismos intimidadores merecem, como agora novamente, nossa repulsa. O Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e até o Executivo não serão submissos nem coniventes com atentados contra as liberdades públicas, que, conforme afirmou Afonso Arinos, têm o dever de proteger. Desprezar garantias constitucionais e violar princípios fundamentais serve para desconstruir a república, nunca, nunca, nunca para corrigir desvios. Devemos nos lembrar sempre de que ninguém está acima da lei – nem os legisladores e nem, muito menos, os aplicadores da lei.

Antes de agradecer, Sr. Presidente, agradeço a sua atenção e a sua solidariedade com Alagoas, no início da nossa intervenção. E, antes de agradecer aos Senadores, eu agradeço ao Presidente da República por sua ida ontem, domingo, a Alagoas, num momento em que os alagoanos se desesperavam com as enchentes. Acredito sobejamente que a visita do Presidente da República é significativa e terá um desdobramento satisfatório para corrigir as injustiças em que se colocam tantos alagoanos. Cumprimento também o Presidente da República pela nomeação de um Ministro da Justiça digno do nome, que pode exercer, neste momento difícil, um papel de interlocução na vida nacional. Cumprimento, mais uma vez, o Presidente da República pela nomeação de um Ministro da Justiça.
E queria aproveitar a oportunidade, no momento em que me despeço, para retificar, Sr. Presidente, com absoluta isenção, uma nota publicada hoje no jornal Folha de S.Paulo, a primeira nota da coluna Painel, que reporta uma conversa que teria havido no Jaburu entre o então Vice-Presidente da República e o Procurador-Geral da República. Não foi exatamente o que a coluna publicou que aconteceu naquele encontro, naquela reunião. Pelo menos, não foi isso que um dos dois mandou me comunicar.

Muito obrigado, Sr. Presidente. Muito obrigado, Srs. Senadores.

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